Governo Lula e a tese da essência e da aparência

Governo Lula e a tese da essência e da aparência

Geral 08/07/2025 Escrito por:

Por Cláudio Mota*

A esquerda (partidos, sindicatos e movimentos sociais) enfrenta um grande desafio com as redes sociais, que produzem novas percepções sobre a realidade e o que ela aparenta. Embora as últimas pesquisas mostram melhora da imagem do presidente, outros estudos anteriores apontam bons números do governo conflitando com números ruins da avaliação de Lula. Algo estranho. 

Há algum tempo, quando a economia melhorava e muita coisa positiva acontecia, a imagem dos governantes crescia junto. Agora, é o contrário. As últimas pesquisas da Quaest confirmam essa contradição: a desaprovação de 57% ao governo (eram 56% na pesquisa de março) contra 40% de aprovação (eram 41% naquele mesmo mês).

O governo tirou 24,4 milhões de pessoas da pobreza com o Bolsa Família e outros programas sociais; fez a massa salarial subir 11,7%; reduziu a taxa de desemprego para 6,6% (a menor em 13 anos); gerou mais de 3,5 milhões de empregos com carteira assinada; e fez grandes empresas estrangeiras investirem bilhões no País. Como ter queda de aprovação?
 
Uma primeira explicação está na comunicação débil do governo, para mostrar os seus feitos e se blindar de crises geradas por distorções dos fatos feitas pela direita, como no caso do PIX e do escândalo do INSS. O cientista político e CEO da Quaest Felipe Nunes, disse que "o governo anunciou e começou a implementar medidas que contam com 79% de aprovação entre quem as conhece. Mas cerca de 60% da população ainda desconhece essas ações. Esse desequilíbrio entre a ação e percepção tem dificultado os avanços na avaliação do governo”.  

REDES SOCIAIS

Novas tecnologias e redes sociais mudaram a percepção das pessoas sobre a realidade. Pesquisas da Universidade da Califórnia (EUA) mostram que as tecnologias mudaram o cérebro humano, alterando memória, aprendizagem, atenção, concentração, criatividade e relevância. Há 15 anos, a capacidade média de concentração das pessoas expostas à tecnologia era de 12 segundos. Hoje, diminuiu para 8, tornando o ser humano mais seletivo e concentrado em algo relevante para si, e menos concentrado em algo muito importante.

As características das redes reforçam isso. Tudo é veloz, instantâneo e passageiro, não permitindo que se fixe nada na mente e nem se raciocine com visão crítica. Não permitem fazer conexões entre fatos e fenômenos. Não pode pensar muito. Tem que postar algo, pois em 30 minutos algo novo já terá que ser postado. Perdemos massa crítica para avaliar o conteúdo. 

ESSÊNCIA E APARÊNCIA

Precisamos resgatar a tese da essência e aparência, de Karl Marx (filósofo, economista e ativista alemão do Século 19). Suas teorias produzidas, a partir do desenvolvimento do capitalismo, nortearam os movimentos políticos que lutaram para substituir esse modelo econômico pelo socialismo. 

Com os socialistas utópicos, Marx travou debates sobre como compreender os fenômenos do sistema e quais os caminhos para superá-los. Para os utópicos, a construção de uma sociedade ideal viria com reformas pontuais e, até, com mudança de visão das elites. Com o seu socialismo científico, Marx mostrou que eles viam apenas a aparência dos problemas (superficialmente) e não analisavam a essência das relações de produção e da luta de classes que se desenvolvem na sociedade e onde reside a essência dos problemas. 

Refletindo sobre as contradições do capitalismo e como influenciam a luta política entre a esquerda e a direita, vemos as redes sociais jogando papel para que as pessoas fiquem apenas na análise superficial dos problemas e dos fenômenos sociais, econômicos e políticos.

Professora do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP, Henriette Tognetti diz que "o uso intenso das redes sociais suga os usuários e leva a uma elaboração ficcional da realidade". Nas redes, elas buscam alterar virtualmente o que não consideram satisfatório na vida real: “Cada um tenta dizer as coisas da maneira como vê e às vezes provoca para ver como é que vão reagir. É uma distorção criada para modificar a própria realidade com a qual não se está satisfeito ou criada para provocar alguma coisa”.

EXEMPLOS CONCRETOS

Para exemplificar, a tese de Marx trata do fetichismo da mercadoria é clara: no capitalismo, as relações sociais de produção (exploração do trabalho pelas empresas/capital) são ocultadas e distorcidas. As mercadorias teriam "vida própria" e seriam adoradas independente dessa exploração. A essência de um produto está no trabalho humano necessário para produzi-lo. A aparência dele é um objeto que será vendido e dará lucro. 

A aparência esconde que esse lucro vem da exploração do trabalho, que é desvalorizado. Esse fetichismo (adoração de objetos) ajuda a criar necessidades artificiais para alimentar o consumo. E, também, o bem estar superficial das pessoas.

Um entregador da iFood trabalha em uma bicicleta (muitas vezes, não é dele) carregando a marca famosa nas costas e de sandália. Se tornou MEI (Microempreendedor Individual) ou PJ (Pessoa Jurídica) para prestar esse serviço. Ele se sente bem ao ser chamado de "empreendedor" e diz que faz o horário dele e se sente livre. Isso é a aparência. Ele não reflete sobre ralar mais de 12 horas por dia, não ter direitos trabalhistas e ser o responsável e arcar com o custo de qualquer acidente que ocorra. Isso é a essência.

E o motorista da Uber? Tem a percepção de que ganhou liberdade e autonomia financeira. Isso é a aparência. Um levantamento feito pela GigU (aplicativo para esse setor) revelou que trabalhadores de aplicativos em São Paulo ganham, em média, R$ 8.571,43, com lucro líquido de R$ 4.319,19 (após deduzir gastos com combustível e manutenção). Eles dedicam 60 horas semanais à atividade. No Rio de Janeiro, o faturamento médio é de R$ 7.200 mensais, com lucro líquido de R$ 3.304,93 e uma carga de trabalho de 54 horas semanais. Isso é essência.

CAMINHOS À ESQUERDA

A resposta está na própria teoria de Marx e em sua aplicação na atuação política de dirigentes e entidades. A dialética de Marx diz que a aparência surge da essência, mas também oculta e transforma essa essência. Diz que a análise científica de um fenômeno deve ir além da sua aparência para entender a sua essência na busca da transformação da sociedade. 

Para quem faz luta social, sindical e política não tem fórmula mágica. É racionar dialeticamente. É ter o funcionamento constante e aprimorado de suas instâncias de direção, com debates sobre as contradições do capitalismo. É pensar estrategicamente, que é observar em suas áreas de atuação as tendências que começam a surgir. Isso ajuda a definir como atuar, não ser pego de surpresa e fazer bem a guerra de guerrilhas nos momentos de caos. Quanto à Lula, é mobilizar o povo e os movimentos sociais em torno dos projetos essenciais para melhorar o Brasil. 

*Marxista, jornalista da CTB Bahia, publicitário e ex-dirigente sindical e do PCdoB

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